sexta-feira, 11 de abril de 2014

A Justiça na era da Comunicação (Artigo DPE/MG)

No marco do Estado Social Constitucional Democrático de Direito, diversas são as vertentes de pensamento que orbitam a idéia de Estado. Dentre elas, a mais corriqueira é a Democracia. E Democracia nos lembra, primordialmente, participação popular. O Governo é do povo. O Parlamento é do Povo. E a Justiça?

Sim, senhores, o Poder do Estado que se mantém mais distante do ideal democrático, enquanto expressão da vontade do povo é o Judiciário. Mas por quê? Porque o Judiciário e, de modo mais geral, a Justiça, ainda são vistos como algo alheio à vontade do povo no nosso país? É responder a esta pergunta o propósito deste artigo.

Penso que a reposta não é tão simples quanto possa parecer. É muito fácil culpar juízes, promotores e advogados, chama-los de corporativistas. É muito fácil dizer que a Justiça é elitizada, que “Justiça não é pra pobre”, que o Direito é instrumento de dominação de classes e que os operadores do Direito representam a classe dominante, como já dizia Marx. Também é fácil de dizer que a Justiça é burocrática, morosa, lenta, que o Brasil é um país subdesenvolvido e que, portanto, a Justiça é um simples reflexo da sua desorganização e de suas mazelas. Pode-se pensar, também, que os operadores jurídicos, especialmente juízes e promotores, não são escolhidos pelo povo, não são votados, logo, não representam a vontade do povo. Nenhuma dessas repostas, entretanto, me parecem o bastante.

O problema da Justiça é, antes de mais nada, um problema estrutural, como veremos.

O século XXI marca, entre outras coisas, a “Era da Comunicação”. Os meios e modos de comunicação são cada vez mais ágeis, rápidos, eficientes. É impressionante o volume de informação e a facilidade de acesso que se tem hoje, e que cresce cada dia mais. Desde as classes menos privilegiadas até as camadas mais abonadas da população, todos têm se beneficiado desse processo de universalização da informação – ainda que uns mais que os outros.

Naturalmente, tais contingências transformam a realidade e geram conseqüências em todos os aspectos da vida em sociedade. No Brasil, já percebemos a ocorrência, principalmente nos grandes centros urbanos, do que Habermas nomeou “racionalização do mundo da vida”, herança da vida cultural moderna, em que a razão e o argumento ganham força e adquirem status renovado. É o fim do patriarcalismo, da razão monopolizada, da razão centralizada, da decisão sem fundamento, da força sem justo motivo, da verdade sem justificação. Estamos no tempo do que alguns filósofos chamaram “Pós-Modernidade” (entre outros, Lyotard).

Nessa esteira, a questão da Justiça se vê cada vez mais problematizada. Qual é a Justiça que nós, seres racionais independentes e participativos, queremos e esperamos?

A Justiça dos nossos pais e de nossos avós já não é suficiente. A conjuntura atual exige mudanças e adaptações. E é no aspecto estrutural e, mais precisamente, procedimental, que está a solução.

O Povo quer participar do processo de decisão jurídica, quer opinar, quer raciocinar, quer ouvir, quer falar, quer mudar, quer reclamar, quer criticar, quer se preocupar, quer ver, quer rever, quer rir e quer chorar. O Povo quer, enfim, tomar parte na decisão e participar, ativamente, no processo de sua construção.

Isso é possível?

A resposta que, sem o devido preparo do leitor, poderia parecer difícil, já não é mais. Pensemos nos juizados especiais, nos juízos de conciliação, nos tribunais arbitrais, nos diversos órgãos e entidades que, hoje, promovem a conciliação e a mediação extrajudicial – ONG’s, órgãos estatais, entidades privadas etc. Pensemos, ainda, nos diversos novos mecanismos processuais que privilegiam a iniciativa das partes e lhe dão liberdade de escolha e decisão – transação penal, suspensão condicional do processo, composição civil dos danos, renúncia à representação, transações judiciais e extrajudiciais com força executiva e conciliações em geral. Tudo isso é prova real da possibilidade de apropriação da decisão jurídica pelo cidadão.

Entretanto, ainda estamos longe do ideal. Há uma forte resistência positivista no Direito. Acredita-se, ainda, no acesso livre e direto à verdade, na razão centralizada, monopolizada, não compartilhada. As estruturas jurídicas mantêm o caráter centralizador e burocratizado. O “Jurista” substitui a antiga figura do Rei, Absoluto, cuja divina e inabalável sapiência acabou por ser questionada e desacreditada.

É necessário um incremento das formas de participação popular no processo de decisão jurídica. Necessário também que a instância jurídica busque auxílio de outras áreas do conhecimento. O processo e o procedimento devem se abrir, fazendo a união entre o texto e contexto, o jurídico e o metajurídico. No pós-modernismo, juridicidade pressupõe normatividade, legitimidade e, mais, eficiência.

Esperemos que a Justiça abra portas e ouvidos para o Povo. Sejam bem vindos senhores, à era da “Razão Comunicativa”.


(*)  Vinícius Lopes Martins – defensor público do Estado de Minas Gerais, bacharel em direito pela Faculdade Milton Campos/Nova Lima, pós-graduado pelo CRISP – Centro de Estudos de Criminalidade e Segurança Pública da UFMG. 

(Fonte: http://www.adepmg.org.br/index.php?option=com_content&view=article&id=1476:vinicius-lopes-martins-&catid=37&Itemid=123)

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