No marco do Estado Social
Constitucional Democrático de Direito, diversas são as vertentes de
pensamento que orbitam a idéia de Estado. Dentre elas, a mais
corriqueira é a Democracia. E Democracia nos lembra, primordialmente,
participação popular. O Governo é do povo. O Parlamento é do Povo. E a
Justiça?
Sim,
senhores, o Poder do Estado que se mantém mais distante do ideal
democrático, enquanto expressão da vontade do povo é o Judiciário. Mas
por quê? Porque o Judiciário e, de modo mais geral, a Justiça, ainda são
vistos como algo alheio à vontade do povo no nosso país? É responder a
esta pergunta o propósito deste artigo.
Penso
que a reposta não é tão simples quanto possa parecer. É muito fácil
culpar juízes, promotores e advogados, chama-los de corporativistas. É
muito fácil dizer que a Justiça é elitizada, que “Justiça não é pra
pobre”, que o Direito é instrumento de dominação de classes e que os
operadores do Direito representam a classe dominante, como já dizia
Marx. Também é fácil de dizer que a Justiça é burocrática, morosa,
lenta, que o Brasil é um país subdesenvolvido e que, portanto, a Justiça
é um simples reflexo da sua desorganização e de suas mazelas. Pode-se
pensar, também, que os operadores jurídicos, especialmente juízes e
promotores, não são escolhidos pelo povo, não são votados, logo, não
representam a vontade do povo. Nenhuma dessas repostas, entretanto, me
parecem o bastante.
O problema da Justiça é, antes de mais nada, um problema estrutural, como veremos.
O
século XXI marca, entre outras coisas, a “Era da Comunicação”. Os meios
e modos de comunicação são cada vez mais ágeis, rápidos, eficientes. É
impressionante o volume de informação e a facilidade de acesso que se
tem hoje, e que cresce cada dia mais. Desde as classes menos
privilegiadas até as camadas mais abonadas da população, todos têm se
beneficiado desse processo de universalização da informação – ainda que
uns mais que os outros.
Naturalmente,
tais contingências transformam a realidade e geram conseqüências em
todos os aspectos da vida em sociedade. No Brasil, já percebemos a
ocorrência, principalmente nos grandes centros urbanos, do que Habermas
nomeou “racionalização do mundo da vida”, herança da vida cultural
moderna, em que a razão e o argumento ganham força e adquirem status
renovado. É o fim do patriarcalismo, da razão monopolizada, da razão
centralizada, da decisão sem fundamento, da força sem justo motivo, da
verdade sem justificação. Estamos no tempo do que alguns filósofos
chamaram “Pós-Modernidade” (entre outros, Lyotard).
Nessa
esteira, a questão da Justiça se vê cada vez mais problematizada. Qual é
a Justiça que nós, seres racionais independentes e participativos,
queremos e esperamos?
A
Justiça dos nossos pais e de nossos avós já não é suficiente. A
conjuntura atual exige mudanças e adaptações. E é no aspecto estrutural
e, mais precisamente, procedimental, que está a solução.
O
Povo quer participar do processo de decisão jurídica, quer opinar, quer
raciocinar, quer ouvir, quer falar, quer mudar, quer reclamar, quer
criticar, quer se preocupar, quer ver, quer rever, quer rir e quer
chorar. O Povo quer, enfim, tomar parte na decisão e participar,
ativamente, no processo de sua construção.
Isso é possível?
A
resposta que, sem o devido preparo do leitor, poderia parecer difícil,
já não é mais. Pensemos nos juizados especiais, nos juízos de
conciliação, nos tribunais arbitrais, nos diversos órgãos e entidades
que, hoje, promovem a conciliação e a mediação extrajudicial – ONG’s,
órgãos estatais, entidades privadas etc. Pensemos, ainda, nos diversos
novos mecanismos processuais que privilegiam a iniciativa das partes e
lhe dão liberdade de escolha e decisão – transação penal, suspensão
condicional do processo, composição civil dos danos, renúncia à
representação, transações judiciais e extrajudiciais com força executiva
e conciliações em geral. Tudo isso é prova real da possibilidade de
apropriação da decisão jurídica pelo cidadão.
Entretanto,
ainda estamos longe do ideal. Há uma forte resistência positivista no
Direito. Acredita-se, ainda, no acesso livre e direto à verdade, na
razão centralizada, monopolizada, não compartilhada. As estruturas
jurídicas mantêm o caráter centralizador e burocratizado. O “Jurista”
substitui a antiga figura do Rei, Absoluto, cuja divina e inabalável
sapiência acabou por ser questionada e desacreditada.
É
necessário um incremento das formas de participação popular no processo
de decisão jurídica. Necessário também que a instância jurídica busque
auxílio de outras áreas do conhecimento. O processo e o procedimento
devem se abrir, fazendo a união entre o texto e contexto, o jurídico e o
metajurídico. No pós-modernismo, juridicidade pressupõe normatividade,
legitimidade e, mais, eficiência.
Esperemos que a Justiça abra portas e ouvidos para o Povo. Sejam bem vindos senhores, à era da “Razão Comunicativa”.
(*)
Vinícius Lopes Martins – defensor público do Estado de Minas Gerais,
bacharel em direito pela Faculdade Milton Campos/Nova Lima, pós-graduado
pelo CRISP – Centro de Estudos de Criminalidade e Segurança Pública da
UFMG.
(Fonte: http://www.adepmg.org.br/index.php?option=com_content&view=article&id=1476:vinicius-lopes-martins-&catid=37&Itemid=123)
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