"'[...] as medidas sócio-educativas, induvidosamente protetivas, são
também de natureza retributiva e repressiva, como na boa doutrina, não
havendo razão para excluí-las do campo da prescrição, até porque, em
sede de reeducação, a imersão do fato infracional no tempo reduz a um
nada a tardia resposta estatal. De qualquer modo, o instituto da
prescrição responde aos anseios de segurança, sendo induvidosamente
cabível relativamente a medidas impostas coercitivamente pelo Estado,
enquanto importam em restrições à liberdade. Tendo caráter também
retributivo e repressivo, não há porque aviventar a resposta do Estado
que ficou defasada no tempo. Tem-se, pois, que o instituto da prescrição
penal é perfeitamente aplicável aos atos infracionais praticados por
menores. [...] Estas, a propósito, as bem lançadas palavras do eminente
Ministro Felix Fischer no recurso especial nº 226.379/SC: '(...) Os que
repudiam a aplicação da prescrição em sede de ato infracional justificam
o posicionamento ao fundamento de que as medidas sócio-educativas
previstas no Estatuto da Criança e do Adolescente não têm a mesma
natureza jurídica das penas estabelecidas no ordenamento jurídico-penal.
Entretanto, uma análise contextual e teleológica de tais medidas leva
inevitavelmente a conclusão diversa. De ver-se que os infratores são
submetidos às normas configuradoras de injustos para a caracterização do
denominado ato infracional (art. 103 do ECA), sujeitando-se, pois, a
medidas restritivas de direitos e privativas de liberdade, às vezes, na
prática, até mais gravosas que as impostas aos imputáveis. Portanto, não
se pode negar que as medidas sócio-educativas têm, na realidade, uma
certa conotação repressiva, ainda que formalmente sejam preventivas.
Amaral e Silva, nobre Desembargador do e. Tribunal de Justiça do Estado
de Santa Catarina, em palestra proferida na Universidade de Brasília, no
'Colóquio Internacional - Defesa de Direitos dos Adolescentes: A
Contribuição da Universidade.', teceu importantes considerações sobre a
questão da natureza das medidas sócio-educativas: 'Não tenho a menor
dúvida: juridicamente: consideradas, as medidas sócio-educativas são
retributivas, pedagógicas e, inclusive, repressivas. São retributivas
por que constituem resposta à prática de um ato infracional, portanto
legalmente reprovável. Só o autor do ato infracional (eufemismo que
corresponde a crime ou contravenção penal - ECA, art. 103), pode ser
submetido (apenado) à uma medida sócio-educativa. Não se olvide: as
medidas são impostas coercitivamente. Não se diga que a possibilidade da
remissão, da não imposição de qualquer medida ou a faculdade que tem o
Juiz de aplicar medidas de proteção retiram o caráter retributivo das
medidas sócio-educativas, porquanto essas providências despenalizantes
nada têm com a natureza da medida. Existem, inclusive, no Direito Penal
Comum: a suspensão condicional do processo, da pena, o perdão judicial
etc... O caráter retributivo é visível na mais branda das medidas - a
advertência -, onde o Juiz admoesta, vale dizer, avisa, adverte,
repreende. São pedagógicas, porque têm caráter eminentemente educativo,
mas são repressivas (do latim, repressio , de reprimere - reprimir,
impedir, fazer cessar). O caráter repressivo das medidas
sócio-educativas não reflete o sentido vulgar da palavra, mas o
significado técnico-jurídico de 'oposição', 'resistência',
'impedimento'. Como explica De Plácido e Silva no Vocabulário Jurídico:
'As medidas impostas para reprimir podem chegar até o castigo. Mas,
juridicamente, repressão não é castigo: é meio de fazer cessar, de fazer
parar, de impedir ou de moderar adolescentes em conflito com a lei e a
sociedade. As medida sócio-educativas visam prevenir e reprimir a
delinqüência juvenil, vale dizer, fazê-la parar relativamente ao agente
e impedir ou moderar o fenômeno em relação aos demais adolescentes.
Admitir o caráter repressivo, penal especial (diferente do penal comum
dos adultos), insisto, é útil aos direitos humanos de vítimas e
vitimizadores. É necessário superar o viés da 'proteção': ciente o
aplicador da medida que, além de imposta, é repressiva, redobrar-se-á em
cautelas para não impô-la sem critérios da fundamentação da
despenalização, da excepcionalidade, da legalidade, da brevidade, da
proporcionalidade e da resposta justa e adequada. Despenalização
concretizada pela remissão pura e simples. Proporcionalidade para
impedir a imposição de medida severa por fato irrelevante. Como as penas
criminais, as medidas sócio-educativas são restritivas de direito
(advertência, obrigação de reparar o dano, prestação de serviços à
comunidade, liberdade assistida) e privativas de liberdade
(semiliberdade e internação).' Também sobre a natureza jurídica das
medidas sócio-educativas escreveu Marina de Aguiar Michelman, em artigo
publicado na 'Revista Brasileira de Ciências Criminais' nº 27, de
julho-setembro de 1999, p. 212/213: 'Segunda razão avalizadora da adoção
do instituto da prescrição no ECA condiz com a própria natureza da
medida socioeducativa. Já se demonstrou ao longo deste artigo ser
errônea a concepção de medida socioeducativa como resposta estatal
pedagógica e não punitiva. De acordo com a mais moderna doutrina, as
medidas socioeducativas são, tanto quanto as sanções penais, mecanismos
de defesa social. Embora distingam-se da penas pela preponderância do
caráter pedagógico sobre o punitivo, não deixam de lado o propósito
intimidativo e expiatório próprio da pena, eis que autorizam a
ingerência do Estado na liberdade individual do adolescente para lhe
impor, coercitivamente, em programa pedagógico, seja em mediante
privação de liberdade, seja pela iminência de reversão da medida em meio
plena ou parcialmente aberto para internação-sanção, na forma do artigo
122, inciso III do ECA. Desta forma, pela restrição total, parcial ou
potencial ao direito fundamental de ir e vir do adolescente, torna-se
inconveniente franquear ao exclusivo arbítrio do juiz o poder de aplicar
ou executar tais medidas independentemente do lapso temporal já
transcorrido.' Ainda sobre o tema, vale consignar o ensinamento de
Rosaldo Elias Pacagnan, Juiz de Direito do Estado do Paraná, em artigo
publicado na RJ nº 211, p. 22: 'No caso do ato infracional poderia-se
argumentar, de chofre, que a prescrição - prevista para o direito de
punir do Estado, nas ações criminais -, não poderia incidir, visto que
não há pena nem punibilidade, a aplicação da medida sócio-educativa é
facultativa (art. 112) e não há expressa previsão legal. Não penso
assim. À uma, porque a medida sócio-educativa, já disse, tem seu aspecto
de pena. Queira-se ou não denominá-la assim, trata-se de uma sanção, uma
ordem imposta ao adolescente. Para efeito de comparação a multa é um dos
tipos de pena na legislação penal, porém existem medidas
sócio-educativas de limitação e privação da liberdade do adolescente
infrator (arts. 120 e 121). Qual é, nesse caso, a mais grave? A pena ou
a medida sócio-educativa? Óbvio que a última. Ademais, há até
penas-medidas iguais como a prestação de serviços à comunidade. Não deve
prevalecer, pois, a simples nomenclatura, mas o Ímago da imposição
estatal. A medida sócio-educativa, pois, também é punitiva. Mesmo a pena
por crime, é sabido e proclamado na Lei de Execução Penal, tem seu lado
sócio-educativo: pune-se e tenta-se, com a punição, reeducar.' Na
hipótese vertente, houve representação por parte do Parquet estadual em
28/01/2000, eis que no dia 26/02/1999, teria a menor ameaçado o irmão,
com uma arma de fogo [...], recebida em 12/04/2000 [...]. Requereu-se,
assim, aplicação de medida sócio-educativa por conduta análoga ao
estatuído no art. 147 do Código Penal. Em 22/08/2002, o MM. Juiz de
Direito extinguiu a punibilidade, por entender estar prescrita,
determinando, assim o arquivamento dos autos [...]. Em grau de apelação,
entretanto, o e. Tribunal a quo deu provimento ao recurso da acusação ao
argumento de que o instituto da prescrição não se aplica aos casos de
infrações praticadas por menor inimputável regidas pelo Estatuto da
Criança e do Adolescente. Tendo em vista que o art. 147 do Estatuto
Repressivo estabelece pena de detenção 1 (um) a 6 (seis) meses, e que o
art. 109, VI do CP estatuir que prescreverá em 2 (dois) anos, se o
máximo da sanção for inferior a 1 (um) ano, escorreito o entendimento em
primeiro grau, haja vista que não aplicar o instituto da prescrição aos
atos infracionais, injustos fundamentadores da atuação do Estado,
significa criar situações bem mais severas e duradouras aos adolescentes
do que em idênticas situações seriam impostas aos imputáveis, o que é de
todo desaconselhável e inaceitável. Se a infração fosse praticada por
adulto imputável, aplicar-se-íam as normas do Código Penal. Se o
recorrido fosse imputável, menor de 21 anos, razão pela qual o prazo
prescricional se reduz à metade, já estaria prescrita a pretensão
punitiva do Estado. Destarte, não aplicar o instituto da prescrição aos
atos infracionais, injustos fundamentadores da atuação do Estado,
significa criar situações bem mais severas e duradouras aos adolescentes
do que em idênticas situações seriam impostas aos imputáveis, o que é de
todo desaconselhável e inaceitável. (...) Dessa forma, há que se
atentar, outrossim, ao fundamento da prescrição da pretensão punitiva.
Consoante Damásio E. de Jesus ('Prescrição Penal', 10ª edição, São
Paulo, Saraiva, 1995, p.22), a prescrição, em face de nossa legislação
penal, tem tríplice fundamento: o decurso do tempo (teoria do
esquecimento do fato), a correção do condenado e, por fim, a negligência
da autoridade. Todos estes fundamentos aplicam-se ao ato infracional. In
casu, decorrido o período necessário à declaração da prescrição, a
medida sócio-educativa não tem mais fundamento, não tem mais razão de
ser, pois o transcurso do tempo tornou ineficaz a prevenção genérica e
específica que adviria da sua aplicação. Conseqüentemente, a fortiori, é
de ser aplicado o instituto da prescrição.' [...]" (AgRg no Ag 46961
RS, Rel. Ministro HAMILTON CARVALHIDO, SEXTA TURMA, julgado em
26/05/2004, DJ 02/08/2004, p. 582)
"[...] as medidas sócio-educativas previstas no Estatuto da Criança e do
Adolescente não têm a mesma natureza e intensidade das penas
estabelecidas no Cód. Penal, pois devem ser regidas pelos princípios da
brevidade, excepcionalidade e observância da condição peculiar de pessoa
em desenvolvimento. Entretanto, preservado o escopo principal das
medidas sócio-educativas (pedagógico), não há como negar o seu caráter
repressivo (punitivo); admiti-lo, inclusive, é útil não só aos autores
de atos infracionais (adolescentes), mas também às vítimas de tais
condutas ilícitas. Assim, as medidas sócio-educativas são, tanto quanto
as sanções penais, mecanismos de defesa social, porquanto permitem ao
Estado delimitar a liberdade individual do adolescente infrator. Dessa
forma, devido à restrição total, parcial ou potencial do direito
fundamental de ir, vir ou ficar do adolescente, torna-se arbitrária a
concessão ao Estado do poder de aplicar ou executar tais medidas a
qualquer tempo. Assim, perfeitamente possível a aplicação da prescrição
penal aos atos infracionais." (HC 45667/SP, Rel. Ministro NILSON NAVES,
SEXTA TURMA, julgado em 27/10/2005, DJ 28/11/2005, p. 340)
"Em virtude da inegável característica punitiva, e considerando-se a
ineficácia da manutenção da medida sócio-educativa, nos casos em que já
se ultrapassou a barreira da menoridade e naqueles em que o decurso de
tempo foi tamanho, que retirou, da medida, sua função reeducativa,
admite-se a prescrição desta, da forma como prevista no Código Penal.
[...]" (REsp 489188/SC, Rel. Ministro GILSON DIPP, QUINTA TURMA, julgado
em 26/08/2003, DJ 29/09/2003, p. 317)
"Em virtude da característica punitiva, e considerando-se a ineficácia
da manutenção da medida sócio-educativa, nos casos em que já se
ultrapassou a barreira da menoridade e naqueles em que o decurso de
tempo foi tamanho, que retirou, da medida, sua função reeducativa,
admite-se a prescrição desta, da forma como prevista no Código Penal.
[...] II. Sendo o réu menor de 21 anos à época do fato delituoso,
reduz-se à metade o prazo prescricional, nos termos do art. 115 do
Código Penal. III. Transcorrido mais de um ano, desde a sentença até a
presente data, declara-se extinta a sua punibilidade, pela ocorrência da
prescrição intercorrente ou superveniente." (REsp 564353/MG, Rel.
Ministro GILSON DIPP, QUINTA TURMA, julgado em 26/04/2005, DJ
23/05/2005, p. 325)
|
Nenhum comentário:
Postar um comentário