CONFLITO DE COMPETÊNCIA NO STJ: IMBRÓGLIO PORTUGUESA
Amanhã serão julgados na 2ª Seção do STJ os conflitos de competência
que envolvem as ações distribuídas em primeiro grau envolvendo o
rebaixamento da Portuguesa. Aos interessados segue o memorial entrega a
todos os ministros na última sexta-feira.
MEMORIAL
1. INTRODUÇÃO
Conforme será minuciosamente descrito no presente memorial,
originariamente a prevenção para o julgamento dos processos vinculados
aos conflitos de competência de nsº 132.402, 132.438 e 133.244, todos do
ano de 2014, era da 42ª Vara Cível do Foro Central da Comarca de São
Paulo, tendo sido tal realidade modificada em razão da superveniente
propositura de ação civil pública pelo Ministério Público do Estado de
São Paulo em 14/02/2014, que tornou prevento, de forma definitiva, a 43ª
Vara Cível do Foro Central da Comarca de São Paulo.
2. PREVENÇÃO ORIGINÁRIA DA 42ª VARA CÍVEL DO FORO CENTRAL DA COMARCA DE SÃO PAULO
2.1. PREVENÇÃO DETERMINADA PELA PRIMEIRA CITAÇÃO
Segundo o art. 219, caput do CPC a citação válida torna o juízo
prevento, sendo tal regra aplicável para determinar a prevenção do juízo
quando as ações conexas tramitam em diferentes comarcas. Não há voz
doutrinária dissonante quanto a esse efeito da citação (Dentre outros:
José Carlos Barbosa Moreira, O novo processo civil brasileiro, 27º ed.,
Rio de Janeiro, Forense, 2008, p. 33; Humberto Theodoro Jr., Curso de
direito processual civil, vol. 1, 52ª ed., Rio de Janeiro, Forense,
2011, p. 284; Luiz Fux, Curso de direito processual civil, vol. I, 4ª
ed., Rio de Janeiro, Forense, 2008, p. 365; Arruda Alvim, Manual de
direito processual civil, 14ª ed., São Paulo, RT, 2011, p. 754; Luiz
Guilherme Marinoni e Sérgio Cruz Arenhart, Manual do processo de
conhecimento, 5ª ed., São Paulo, RT, 2006, pp. 121-122).
E a
jurisprudência segue o mesmo caminho, inclusive havendo posição
consolidada dessa Segunda Seção considerando a primeira citação válida
como o fator determinante para a fixação de prevenção do juízo (STJ, 2ª
Seção, CC 122.922/AC, rel. Min. Marco Buzzi, j. 08/05/2013, DJe
06/12/2013; STJ, 2ª Seção, AgRg no CC 83.085/MS, rel. Min. Aldir
Passarinho Junior, 25/06/2008, DJe 27/08/2008). A Primeira Seção tem
jurisprudência pacificada no mesmo sentido (STJ, 1ª Seção, CC
107.932/MT, rel. Min. Eliana Calmon, j. 09/12/2009, DJe 18/12/2009).
Cumpre para o caso
concreto ser destacado o julgamento unânime – pelo acachapante resultado
de 8x0 – do Conflito de Competência nº 122.922/AC recentemente decidido
por essa Egrégia Segunda Seção. Bem apropriado ao caso concreto
considerando-se que referido incidente processual se deu entre três
processos movidos por clubes de futebol contra a CBF.
Os três processos estavam em trâmite
perante a 1ª Vara Cível da Fazenda Pública de Rio Branco, no Estado do
Acre, a 4ª Vara Cível do Forum Regional de Jacarepaguá, no Estado do Rio
de Janeiro e a 1ª Vara Cível de Campina Grande, no Estado da Paraíba. E
por decisão unânime da 2ª Seção desse Egrégio Tribunal foi determinada a
competência do juízo da 1ª Vara Cível de Campina Grande, justamente
onde ocorreu a primeira citação válida da CBF:
“A questão, em se
tratando de juízos dotados de competência territorial diversa,
resolve-se mediante exegese do art. 219 do CPC, cujo teor assinala que,
dentre outros, a citação válida produz o efeito de tornar prevento o
foro que a ordenou e a levou a efeito. (...) Ressalta-se que o objeto do
presente conflito restringe-se à fixação de competência do juízo
prevento por força de conexão”.
Como se pode notar, juridicamente o
tema que deve nortear o julgamento dos presentes conflitos de
competência é extremamente simples e pacificado. Vamos aos fatos.
Na ação proposta por Artur Monteiro Vieira perante a 42ª Vara Cível do
Foro Central da Comarca de São Paulo (processo nº
1002020.50.2014.8.26.0100) a CBF se deu por citada no dia 15/01/2014 às
12:52:22 (doc. 01).
Na ação proposta por Luiz Paulo Pieruccetti
Marques perante a 42ª Vara Cível do Foro Central da Comarca de São Paulo
(processo nº 1001075-63.2014.8.26.0100) a CBF se deu por citada no dia
15/01/2014 às 12:59:11 (doc. 02).
Na ação proposta por Alexandre
Corrêa Geoffroy perante o Juizado Especial do Torcedor e dos Grandes
Eventos do Foro Regional da Ilha do Governador da Comarca do Rio de
Janeiro (processo nº 0000440-64.2014.8.19.0207) a CBF se deu por citada,
por meio de um estagiário, no dia 15/01/2014 às 17:50 (doc. 03).
Na ação proposta por Victor Campos perante a 2ª Vara Cível do Foro
Regional da Barra da Tijuca da Comarca do Rio de Janeiro (processo nº
0000813-89.2014.8.19.0209) a CBF se deu por citada no dia 16/01/2014
(doc. 04).
Em todos os demais processos vinculados aos presentes conflitos de competência a citação deu-se depois dessas datas.
Documentalmente comprovado, portanto, que a primeira citação válida da
CBF deu-se no processo nº 1002020.50.2014.8.26.0100 em tramite perante a
42ª Vara Cível do Foro Central da Comarca de São Paulo (aliás, as duas
primeiras!), juízo prevento, portanto, para receber todos os processos
vinculados aos presentes incidentes processuais. Pelo menos assim o era
até o dia 14/02/2014.
2.2. PREVENÇÃO DETERMINADA PELA PRIMEIRA PROPOSITURA
Seguindo o voto do D. Ministro relator quanto à decisão liminar de
fixação de juízo competente para as questões urgentes, essa Segunda
Seção referendou entendimento inovador, inédito e contrário à lei no
tocante ao critério para a fixação do juízo prevento para receber ações
conexas. Criou-se uma originária interpretação do art. 219, caput do CPC
para se concluir que embora tornar o juiz prevento continue a ser um
dos efeitos da citação, a prevenção deve retroagir à data da propositura
da ação.
É preciso registrar que nunca antes nesse tribunal ou na
doutrina defendeu-se tal tese jurídica. O que deve se comemorar, porque
sua adoção contraria frontalmente a literalidade do art. 219 do CPC, que
dentre os efeitos da citação prevê expressamente somente a interrupção
da prescrição como efeito retroativo à data da propositura da ação (§
1º).
Mas há uma intrigante curiosidade se a opção deste Egrégio
Tribunal for a adoção da inédita tese jurídica: ela não alterará a
prevenção da 42ª Vara Cível do Foro Central da Comarca de São Paulo.
A ação de Luiz Paulo Pieruccetti Marques foi proposta perante a 42ª
Vara Cível do Foro Central da Comarca de São Paulo no dia 08 de janeiro
de 2014.(doc. 05).
A ação de Artur Monteiro Vieira foi proposta
perante 42ª Vara Cível do Foro Central da Comarca de São Paulo no dia 10
de janeiro de 2014 às 17:21 (doc. 06).
A ação de Victor Campos foi
proposta perante a 2ª Vara Cível do Foro Regional da Barra da Tijuca da
Comarca do Rio de Janeiro no dia 10 de janeiro às 20:51:29 (doc. 07).
A ação de Alexandre Corrêa Geoffroy foi proposta perante o Juizado
Especial do Torcedor e dos Grandes Eventos do Foro Regional da Ilha do
Governador da Comarca do Rio de Janeiro no dia 14 de janeiro de 2014
(doc. 08).
Conforme resta documentalmente comprovado só veio a
existir propositura de ação na Comarca do Rio de Janeiro depois de já
existirem duas ações propostas perante a 42ª Vara Cível do Foro Central
da Comarca de São Paulo.
2.3. PREVENÇÃO LEVANDO-SE EM CONTA A REGRA DE COMPETÊNCIA TERRITORIAL APLICAVEL AO CASO
Em mais uma inovação, dessa vez inclusive com o abandono do art. 219
do CPC, a decisão liminar que fixou provisoriamente a competência da 2ª
Vara Cível do Foro Regional da Barra da Tijuca da Comarca do Rio de
Janeiro, entendeu ser esse o juízo intuitivamente mais adequado para a
solução de questões urgentes por estar a CBF, ré em todos os processos
envolvidos nos presentes incidentes processuais, sediada em tal
localidade.
O que se pode compreender é que, com adoção de tese
originária, nunca antes aplicada por esse Egrégio Tribunal ou defendida
pela doutrina, passou a ter relevância a regra de competência
territorial dos processos envolvidos em conflitos de competência para a
fixação do juízo prevento. Deixa-se assim de aplicar as duas regras
previstas no ordenamento processual a respeito e inova-se criando uma
regra inexistente na lei e desconhecida pela doutrina e jurisprudência.
Não há porque a atividade jurisdicional desprezar regras já
tradicionais e de ampla e tranquila aplicação. Certamente, por qualquer
regra de hermenêutica aceitável, não vai tão longe a atividade
jurisdicional de interpretar e aplicar as regras no caso concreto.
Registre-se, inclusive, importante precedente unânime dessa Egrégia
Segunda Seção em que foi expressamente rejeitada a adoção dessa tese
jurídica, em conflito de competência que coincidentemente também
envolvia ações propostas contra a CBF. No já mencionado Conflito de
Competência nº 122.922/AC, a tese da CBF de ser considerado o art. 100,
IV, “a” do CPC como critério para a determinação do juízo prevento foi
acertadamente rejeitada. Porque seria diferente no presente caso?
E o mais curiosamente triste no caso concreto é que a regra consagrada
no art. 100, V, “a” do CPC, mencionado como fundamento do decidir da
decisão liminar, não se aplica ao caso concreto, nem mesmo para fixar a
competência dos processos em trâmite, quiçá para determinar o juízo
prevento.
Há quatro espécies de processos envolvidos nos presentes
conflitos de competência: ações individuais propostas pelos torcedores;
ações populares propostas por cidadãos na defesa do futebol como
patrimônio cultural brasileiro; ações civis públicas na defesa da
coletividade dos torcedores; ação individual proposta pela Associação
Portuguesa de Desportos.
Nas ações individuais propostas pelos
torcedores aplica-se o art. 40 do Estatuto do Torcedor: “a defesa dos
interesses e direitos dos torcedores em juízo observará, no que couber, a
mesma disciplina da defesa dos consumidores em juízo de que trata o
Título III da Lei no 8.078, de 11 de setembro de 1990”.
Significa
dizer que o torcedor é um consumidor do produto futebol e do serviço
prestado pelos organizadores das competições, e justamente por isso a
relação de direito material entre eles e o eventual processo judicial em
razão dela são tutelados pelo direito consumerista, conforme
consolidado entendimento do Superior Tribunal de Justiça (STJ, 3ª Turma,
REsp 1.413.192/RJ, rel. Min. Nancy Andrighi, j. 19/11/2013, DJe
29/11/2013; STJ, 4ª Turma, REsp 1.29.6944/RJ, rel. Min. Luis Felipe
Salomão, j. 07/05/2013, DJe 01/07/2013).
E sendo os torcedores
consumidores a competência é determinada pelo art. 101, I do CDC e não
pelo art. 100, V, “a” do CPC. Considerar o foro do domicilio do réu
nesse caso para determinação do juízo prevento abriria perigoso e
inadmissível precedente para todas as ações consumeristas distribuídas
em variadas comarcas. Afinal, a admissão da tese exposta na decisão
liminar criará um precedente que determina o juízo da sede do fornecedor
como prevento para todas as ações consumeristas propostas contra ele em
total e ilegal subversão dos valores consagradas no diploma
consumerista.
Na ação individual proposta pela Associação
Portuguesa de Desportos há formação de litisconsórcio facultativo, sendo
que cada um dos três réus tem suas sedes em diferentes localidades (São
Paulo, Rio de Janeiro e Viena). Dessa forma, aplica-se o art. 94, § 4º
do CPC, e não o art. 100, V, “a” do mesmo diploma legal, sendo livre a
escolha pelo autor entre os foros concorrentemente competentes (“forum
shooping”).
Nas ações coletivas – tanto populares como civis
públicas – aplica-se a regra prevista no art. 2º da Lei 7.347/85
combinada com o art. 93, II do CDC, de forma que a competência para a
hipótese de dano nacional é de qualquer das comarcas que sejam capitais
de Estado, mais uma vez sendo livre a escolha do autor. Novamente
inaplicável o art. 100, V, “a” do CPC.
E no caso das ações
coletivas o problema é ainda mais grave, considerando-se o entendimento
pacificado no sentido de ser a absoluta a competência territorial (ou
funcional pelo território) para as ações civis públicas e populares.
(Dentre outros: Luiz Fux, Curso de direito processual civil, 4ª ed.,
Forense, Rio de Janeiro, 2008, p. 99; Nelson Nery Jr. e Rosa Maria
Andrade Nery, Nery-Nery, Código de Processo Civil comentado, 10ª ed.,
São Paulo, RT, 2008, p. 494; Luiz Guilherme Marinoni e Daniel Mitidiero,
Código de Processo Civil comentado, São Paulo, RY, 2010, p. 165;
Rodolfo de Camargo Mancuso, Ação civil pública, 8ª ed., São Paulo, RT,
2002, p. 66; Humberto Theodoro Jr., Curso de direito processual civil,
47ª ed., vol. 1, Rio de Janeiro, Forense, 2007, p. 162).
Como se
pode notar, além de não ser critério de determinação do juízo prevento,
em nenhum dos processos vinculados aos presentes conflitos de
competência é aplicável na origem o art. 100, V, “a” do CPC para fixação
de sua competência territorial.
3. SUPERVENIÊNCIA DA PROPOSITURA DE AÇÃO CIVIL PÚBLICA PELO MINISTÉRIO PÚBLICO DE SÃO PAULO
Conforme exposto nos tópicos anteriores, por qualquer critério a ser
adotado, o juízo prevento é a 42ª Vara Cível do Foro Central da Comarca
de São Paulo. E essa realmente era a realidade até o dia 14/02/2014,
quando foi proposta ação civil pública pelo Ministério Público do Estado
de São Paulo perante a 43ª Vara Cível do Foro Central da Comarca de São
Paulo (doc. 09).
Enquanto as ações individuais propostas por
torcedores e ações populares propostas por cidadãos têm pedidos
exclusivamente voltados à anulação ou cumprimento do julgamento
proferido pelo STJD no processo nº 320/2013, a ação civil pública
promovida pelo Ministério Público de São Paulo e distribuída para a 43ª
Vara Cível do Foro Central da Comarca de São Paulo cumula a esse pedido o
de indenização por perdas e danos.
Com um pedido mais amplo, que
contem o pedido das demais ações judiciais, a ação civil pública
promovida pelo Ministério Público do Estado de São Paulo criou uma
continência entre as ações, nos termos do art. 104 do CPC. Não mais
conexão, fenômeno existente entre as demandas judiciais individuais, mas
continência.
E havendo continência não se aplicam as regras de
prevenção previstas no CPC, sendo competente o juízo da causa
continente. Nesse sentido Pontes de Miranda ao afirmar que “o art. 106
fez bem em só falar de prevenção a respeito de ações conexas, porque, no
tocante às ações entre as quais há continência, o juiz que despacha
primeiro não se fez prevento. O que determinou a competência e o
chamamento foi a continência, assunto de regra jurídica diferente (arts.
102, 104 e 105), e não conexão, que leva à prevenção (arts. 102, 103 e
106). O juiz da causa menor, na hipótese, não poderia prevenir”
(Comentários ao código de processo civil. tomo II: arts. 46 a 153, 3ª
ed., Rio de Janeiro: Forense, 1997, p.299).
Também é esse o entendimento do Superior Tribunal de Justiça sobre o tema:
“Se reconhecida a continência entre as ações, realmente não se pode
adotar o critério da prevenção para determinar a reunião dos processos. O
juízo em que tramite a causa continente é que deverá julgar a causa
contida” (STJ, 3ª Turma, REsp 1.051.652/TO, rel. Min. Nancy Andrighi, j.
27/09/2011, DJe 03/10/2011).
Afinal, é como precisamente colocado
por Rodolfo de Camargo Mancuso em artigo cientifico escrito
especificamente sobre a atual problemática: “É dizer: rios correm para o
mar, e não o contrário”. (A imbricação entre Justiça Desportiva e
Justiça Estatal – o caso da Associação Portuguesa de Desportos no
campeonato brasileiro de futebol de 2013: contribuição para o deslinde
técnico-jurídico da controvérsia, Separata da Revista dos Tribunais, ano
103, vol. 944, junho de 2014, p. 69).
Ademais, a ação proposta
pela Associação Portuguesa de Desportos, distribuída à 43ª Vara Cível do
Foro Central de São Paulo por dependência à ação civil pública proposta
pelo Ministério Público do Estado de São Paulo, contêm pedido de
natureza preventiva não presente em qualquer outra ação judicial já
proposta anteriormente, o que inclusive levou a formação de um
litisconsórcio passivo composto por CBF, FIFA e FPF.
Por fim, é
preciso destacar a natureza coletiva da ação civil pública proposta pelo
Ministério Público de São Paulo perante a 43ª Vara Cível do Foro
Central da Comarca de São Paulo.
Havendo a concomitância de ação
individual e coletiva a prevenção do juízo perante o qual tramita a ação
coletiva, além de decorrer de previsão legal, se justifica no maior
alcance da tutela jurisdicional pretendida em tais demandas. Enquanto na
ação individual busca-se tutelar somente o direito individual do autor
na ação coletiva busca-se tutelar o direito da coletividade, titular do
direito difuso que forma o objeto do processo. Natural, portanto, que a
tutela da coletividade se imponha, inclusive quanto à prevenção do
juízo, à tutela do individuo.
Nesse sentido as lições da melhor
doutrina quando afirma que “apesar da eventual precedência do
processamento de ações individuais em relação a uma ação coletiva que
lhes seja objetivamente pertinente, é o juízo da demanda coletiva
(fixada pelo local do dano, recorde-se) que atrai todas as individuais
para fins de julgamento simultâneo – ou seja, a prevenção seria firmada,
então pelo despacho na primeira ação coletiva” (Elton Venturi, Processo
civil coletivo, São Paulo, Malheiros, 2007, p. 362).
Registre-se
no mesmo sentido a lição do Ministro do Supremo Tribunal Federal Teori
Albino Zavascki, que por tanto tempo enobreceu esse Egrégio Tribunal
enquanto atuou como seu ministro. O jurista, ao comentar a relação entre
ações individuais e coletivas assevera que “entre as duas ações,
portanto, não há litispendência e tal resulta claro do art. 104 da Lei
8.078, de 1990. Há, isto sim, conexão (CPC, art. 103), a determinar, na
medida do possível, o processamento conjunto, perante o juízo da ação
coletiva, de todas as ações individuais, anteriores ou supervenientes”.
(Teori Albino Zavascki, Processo coletivo, São Paulo, RT, 2006, p. 191).
A ainda as lições de Rodolfo de Camargo Mancuso:
“Essa vis attractiva do processo coletivo em face das ações individuais
referenciadas à análogo thema decidendum igualmente se aplica por conta
da diversa carga expansiva das coisas julgadas que operam num e noutro
plano: na ação civil pública, ela é erga omnes (Lei 7.347/85, art. 16;
Lei 8.078/90, art. 103, I); nas ações individuais é inter partes (CPC,
art. 472), o que exacerba as consequências das decisões porventura
qualitativamente discrepantes, senão já contraditórias.” (A imbricação
entre Justiça Desportiva e Justiça Estatal – o caso da Associação
Portuguesa de Desportos no campeonato brasileiro de futebol de 2013:
contribuição para o deslinde técnico-jurídico da controvérsia, Separata
da Revista dos Tribunais, ano 103, vol. 944, junho de 2014, p. 70).
Diante do exposto, com o fato superveniente de propositura de ação
civil pública pelo Ministério Público do Estado de São Paulo, todas as
ações individuais em trâmite em diferentes juízos que fazem parte do
presente conflito de competência, independentemente de quem seja o autor
(torcedores de clubes variados, Associação Portuguesa de Desportos,
CBF), passaram a ter como juízo prevento a 43ª Vara Cível do Foro
Central da Comarca de São Paulo.
Entendimento em sentido diverso
criaria um perigoso precedente que poderia inclusive inviabilizar a
atuação dos Ministérios Públicos Estaduais por meio de ações coletivas.
Se a prevenção se fixa no juízo da ação individual em outro Estado da
Federação, como poderá o Ministério Público Estadual continuar a
demandar o réu? Como pode o interesse de um individuo sobrepor-se ao
interesse de toda coletividade?
4. DA IMPRESTABILIDADE DOS PARECERES DO MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
Quanto às manifestações do Ministério Público Federal nos conflitos de
competência suscitados por Artur Monteiro Vieira e pela CBF, ignorou-se,
ainda que documentalmente comprovada, a realidade dos fatos, criando-se
odiosa distinção entre situações idênticas, em manifesta violação ao
principio constitucional da isonomia. Curiosamente sugerida pelo fiscal
da lei...
As procurações juntadas pela Confederação Brasileira de
Futebol nos processos em trâmite perante a Justiça Paulista e a Justiça
Fluminense são absolutamente idênticas! Ou seja, é uma procuração padrão
que foi apenas replicada pela CBF nos diferentes processos com
exatamente os mesmos poderes, como se pode notar dos documentos ora
anexados.
Diante de tal estado das coisas, resta uma intrigante
dúvida: exatamente porque o comparecimento voluntário da CBF nos
processos em trâmite perante a Justiça de São Paulo deve ser tratado de
forma distinta daqueles operados nos processos em trâmite perante a
Justiça fluminense se as procurações são idênticas?! Haveria uma exótica
territorialidade nesse caso que permite tratamento distinto da matéria a
depender do Estado da Federação em que ocorreu o comparecimento
voluntário da ré CBF?
É natural que não se pode admitir nesse caso
que seja dado tratamento distinto à mesma realidade fático-jurídica. Tal
postura, além de não se sustentar logicamente, fere de maneira frontal o
principio da igualdade, consagrado no art. 5ª, caput e inciso I da CF.
Ainda que a isonomia prevista em tais dispositivos constitucionais seja a
real, o tratamento desigual só se justifica diante de situações
desiguais, o que, a toda evidência, não se verifica no presente caso.
A realidade descrita já seria o suficiente para tornar o parecer ministerial insustentável. Mas há mais.
Primeiro, é preciso lembrar que existem decisões do Superior Tribunal
de Justiça que entendem aperfeiçoado o ato citatório quando o advogado
devidamente constituído pelo réu comparece voluntariamente ao processo,
independentemente de constar expressamente da procuração poderes
específicos para receber a citação, desde que fique evidenciada a
ciência da parte da existência da ação e que sejam praticados atos de
preparação ou de efetiva defesa. (STJ, 4ª Turma, REsp 1.026.821/TO, rel.
Min. Marco Buzzi, j. 16/08/2012, DJe 28/08/2012; STJ, REsp
1.246.098/PE, 2ª Turma, rel. Min. Mauro Campbell Marques, j. 26/04/2011,
DJe 05/05/2011; STJ, 3ª Turma, REsp 600.866/DF, rel. Min. Humberto
Gomes de Barros, j. 20/03/2007, DJ 14/05/2007 p. 279).
No caso
concreto não houve apenas a juntada da procuração nos autos. Na petição
de juntada o patrono do réu se manifestou expressamente sobre o ato
citatório: “Por fim, por meio desta a Ré se dá por citada e intimada”. E
comparecendo voluntariamente nos processos apresentou contestação e
agravou de decisões concessivas de tutela antecipada. Ou seja, a ré CBF
se deu por citada e preparou a contestação e o agravo de instrumento
tempestivamente. Diante de tal cenário, como acreditar que a ré não
tomou conhecimento da existência da ação no dia em que compareceu
voluntariamente no processo?
Segundo e mais importante, a conjugação
dos arts. 154, caput, 219, caput e 244 do CPC, tornam inconsistentes as
conclusões lançadas na cota ministerial.
Nos termos do art. 219,
caput do CPC um dos efeitos da citação válida é a prevenção do juízo,
sendo tal regra aplicada quando as ações conexas tramitam em foros de
diferentes competências territoriais. O dispositivo, portanto, não exige
uma citação formalmente perfeita, mas uma citação válida. E nesse
tocante é indispensável uma breve explanação sobre vicio, nulidade e o
principio da instrumentalidade das formas.
Sempre que a forma legal
não é respeitada, há uma consequência processual: o efeito jurídico
programado pela lei não é gerado. Essa consequência processual – que
para parcela doutrinária é uma sanção – representa a nulidade. Ato
viciado é aquele praticado em desrespeito às formas legais, enquanto a
nulidade é a sua consequência sancionatória, que não permite ao ato
gerar os efeitos programados em lei. O princípio da instrumentalidade
das formas busca aproveitar o ato viciado, permitindo-se a geração de
seus efeitos, ainda que se reconheça a existência do desrespeito à forma
legal.
Pelo princípio da instrumentalidade das formas, ainda que a
formalidade para a prática de ato processual seja importante em termos
de segurança jurídica, visto que garante à parte que a respeita a
geração dos efeitos programados por lei, não é conveniente considerar o
ato nulo somente porque praticado em desconformidade com a forma legal. O
essencial é verificar se o desrespeito à forma legal para a prática do
ato afastou-o de sua finalidade, além de verificar se o descompasso
entre o ato como foi praticado e como deveria ser praticado segundo a
forma legal causou algum prejuízo. Não havendo prejuízo para a parte
contrária, tampouco ao próprio processo, e percebendo-se que o ato
atingiu sua finalidade, é excessivo e indesejável apego ao formalismo
declarar o ato nulo, impedindo a geração dos efeitos
jurídico-processuais programados pela lei (José Roberto dos Santos
Bedaque, Efetividade do processo e técnica processual, São Paulo,
Malheiros, 2006, pp. 419 e 422).
Há, portanto, com a aplicação do
principio da instrumentalidade das formas, a possibilidade de um ato
viciado ser válido. Nesse sentido as precisas lições de Candido Rangel
Dinamarco:
“Diante dessa trama, o ato não será nulo só porque
formalmente defeituoso. Nulo é o ato que, cumulativamente, se afaste do
modelo formal indicado em lei, deixe de realizar o escopo ao qual se
destina e, por esse motivo, cause prejuízo a uma das partes. A
invalidade do ato é indispensável para que ele seja nulo, mas não é
suficiente nem se confunde com sua nulidade.” (Instituições de direito
processual civil, vol. II, São Paulo, Malheiros, 2001, p. 597).
Nesse sentido também é a pacificada jurisprudência do Superior Tribunal
de Justiça (STJ, 4ª Turma, AgRg no Ag 1.156.635/DF, rel. Min. Raul
Araújo, j. 14/08/2012, DJe 03/09/2012; STJ, 5ª Turma, REsp 1.105.936/SC,
rel. Min. Laurita Vaz, j. 28/02/2012, DJe 06/03/2012; STJ, 2ª Turma,
REsp 713.014/DF, rel. Min. Herman Benjamin, j. 20/08/2009, DJe
27/08/2009; STJ, 3ª Turma, REsp 1.031.037/RS, rel. Min. Nancy Andrighi,
j. 06/08/2009, DJe 14/12/2009; STJ, REsp 859.573/PR, rel. Min. Luiz Fux,
j. 16/10/2007, DJ 19/11/2007 p. 194), valendo transcrever trecho de
ementa tirada de julgamento da 2ª Seção a respeito do tema:
“(...)
enseja apenas nulidade relativa, sendo válidos os atos praticados, desde
que não haja prejuízo aos interessados. Segundo o princípio da
instrumentalidade das formas, não se decreta nulidade sem prejuízo (pas
de nullité sans grief)”. (STJ, 2ª Seção, AR 3.743/MG, rel. Min. Ricardo
Villas Bôas Cueva, j. 13/11/2013, DJe 02/12/2013).
E se não fossem
suficientes os argumentos já lançados, a opinião do Ministério Público
Federal deve ser descartada em razão de grave problema que aparentemente
passou despercebido pela cota ministerial. Existem vinculados aos
presentes conflitos de competência diferentes ações coletivas: ações
populares propostas por cidadãos, ações civis públicas propostas por
associações de defesa do consumidor e ação civil pública proposta pelo
Ministério Público de São Paulo.
Questiona-se: se for fixada a
prevenção do Juizado Especial do Torcedor e dos Grandes Eventos do Foro
Regional da Ilha do Governador da Comarca do Rio de Janeiro, como sugere
o Ministério Público Federal, qual será o destino de tais ações
coletivas, considerando-se o entendimento pacificado pelo seu não
cabimento em sede de Juizados Especiais (Enunciado nº 139 do FONAJE)?
Conclusivamente, os pareceres ministeriais devem ser solenemente ignorados.
5. CONCLUSIVAMENTE
De tudo que foi exposto, é clara a prevenção do Judiciário Paulista
para julgar todos os processos vinculados aos presentes conflitos de
competência. A prevenção é da 43ª Vara Cível do Foro Central de São
Paulo e, caso os fundamentos expostos para alicerça tal conclusão não
seja acolhido por V. Exa., que seja determinada a prevenção da 42ª Vara
Cível do Foro Central da Comarca de São Paulo.
Fonte: https://www.facebook.com/DanielNevesCPC/posts/657291711032037
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