terça-feira, 10 de junho de 2014

CONFLITO DE COMPETÊNCIA NO STJ: IMBRÓGLIO PORTUGUESA (Daniel Assumpção Neves)


CONFLITO DE COMPETÊNCIA NO STJ: IMBRÓGLIO PORTUGUESA
Amanhã serão julgados na 2ª Seção do STJ os conflitos de competência que envolvem as ações distribuídas em primeiro grau envolvendo o rebaixamento da Portuguesa. Aos interessados segue o memorial entrega a todos os ministros na última sexta-feira.

MEMORIAL

1. INTRODUÇÃO
Conforme será minuciosamente descrito no presente memorial, originariamente a prevenção para o julgamento dos processos vinculados aos conflitos de competência de nsº 132.402, 132.438 e 133.244, todos do ano de 2014, era da 42ª Vara Cível do Foro Central da Comarca de São Paulo, tendo sido tal realidade modificada em razão da superveniente propositura de ação civil pública pelo Ministério Público do Estado de São Paulo em 14/02/2014, que tornou prevento, de forma definitiva, a 43ª Vara Cível do Foro Central da Comarca de São Paulo.


2. PREVENÇÃO ORIGINÁRIA DA 42ª VARA CÍVEL DO FORO CENTRAL DA COMARCA DE SÃO PAULO
2.1. PREVENÇÃO DETERMINADA PELA PRIMEIRA CITAÇÃO
Segundo o art. 219, caput do CPC a citação válida torna o juízo prevento, sendo tal regra aplicável para determinar a prevenção do juízo quando as ações conexas tramitam em diferentes comarcas. Não há voz doutrinária dissonante quanto a esse efeito da citação (Dentre outros: José Carlos Barbosa Moreira, O novo processo civil brasileiro, 27º ed., Rio de Janeiro, Forense, 2008, p. 33; Humberto Theodoro Jr., Curso de direito processual civil, vol. 1, 52ª ed., Rio de Janeiro, Forense, 2011, p. 284; Luiz Fux, Curso de direito processual civil, vol. I, 4ª ed., Rio de Janeiro, Forense, 2008, p. 365; Arruda Alvim, Manual de direito processual civil, 14ª ed., São Paulo, RT, 2011, p. 754; Luiz Guilherme Marinoni e Sérgio Cruz Arenhart, Manual do processo de conhecimento, 5ª ed., São Paulo, RT, 2006, pp. 121-122).
E a jurisprudência segue o mesmo caminho, inclusive havendo posição consolidada dessa Segunda Seção considerando a primeira citação válida como o fator determinante para a fixação de prevenção do juízo (STJ, 2ª Seção, CC 122.922/AC, rel. Min. Marco Buzzi, j. 08/05/2013, DJe 06/12/2013; STJ, 2ª Seção, AgRg no CC 83.085/MS, rel. Min. Aldir Passarinho Junior, 25/06/2008, DJe 27/08/2008). A Primeira Seção tem jurisprudência pacificada no mesmo sentido (STJ, 1ª Seção, CC 107.932/MT, rel. Min. Eliana Calmon, j. 09/12/2009, DJe 18/12/2009).
Cumpre para o caso concreto ser destacado o julgamento unânime – pelo acachapante resultado de 8x0 – do Conflito de Competência nº 122.922/AC recentemente decidido por essa Egrégia Segunda Seção. Bem apropriado ao caso concreto considerando-se que referido incidente processual se deu entre três processos movidos por clubes de futebol contra a CBF.
Os três processos estavam em trâmite perante a 1ª Vara Cível da Fazenda Pública de Rio Branco, no Estado do Acre, a 4ª Vara Cível do Forum Regional de Jacarepaguá, no Estado do Rio de Janeiro e a 1ª Vara Cível de Campina Grande, no Estado da Paraíba. E por decisão unânime da 2ª Seção desse Egrégio Tribunal foi determinada a competência do juízo da 1ª Vara Cível de Campina Grande, justamente onde ocorreu a primeira citação válida da CBF: 
“A questão, em se tratando de juízos dotados de competência territorial diversa, resolve-se mediante exegese do art. 219 do CPC, cujo teor assinala que, dentre outros, a citação válida produz o efeito de tornar prevento o foro que a ordenou e a levou a efeito. (...) Ressalta-se que o objeto do presente conflito restringe-se à fixação de competência do juízo prevento por força de conexão”.
Como se pode notar, juridicamente o tema que deve nortear o julgamento dos presentes conflitos de competência é extremamente simples e pacificado. Vamos aos fatos. 
Na ação proposta por Artur Monteiro Vieira perante a 42ª Vara Cível do Foro Central da Comarca de São Paulo (processo nº 1002020.50.2014.8.26.0100) a CBF se deu por citada no dia 15/01/2014 às 12:52:22 (doc. 01).
Na ação proposta por Luiz Paulo Pieruccetti Marques perante a 42ª Vara Cível do Foro Central da Comarca de São Paulo (processo nº 1001075-63.2014.8.26.0100) a CBF se deu por citada no dia 15/01/2014 às 12:59:11 (doc. 02).
Na ação proposta por Alexandre Corrêa Geoffroy perante o Juizado Especial do Torcedor e dos Grandes Eventos do Foro Regional da Ilha do Governador da Comarca do Rio de Janeiro (processo nº 0000440-64.2014.8.19.0207) a CBF se deu por citada, por meio de um estagiário, no dia 15/01/2014 às 17:50 (doc. 03).
Na ação proposta por Victor Campos perante a 2ª Vara Cível do Foro Regional da Barra da Tijuca da Comarca do Rio de Janeiro (processo nº 0000813-89.2014.8.19.0209) a CBF se deu por citada no dia 16/01/2014 (doc. 04).
Em todos os demais processos vinculados aos presentes conflitos de competência a citação deu-se depois dessas datas.
Documentalmente comprovado, portanto, que a primeira citação válida da CBF deu-se no processo nº 1002020.50.2014.8.26.0100 em tramite perante a 42ª Vara Cível do Foro Central da Comarca de São Paulo (aliás, as duas primeiras!), juízo prevento, portanto, para receber todos os processos vinculados aos presentes incidentes processuais. Pelo menos assim o era até o dia 14/02/2014.


2.2. PREVENÇÃO DETERMINADA PELA PRIMEIRA PROPOSITURA
Seguindo o voto do D. Ministro relator quanto à decisão liminar de fixação de juízo competente para as questões urgentes, essa Segunda Seção referendou entendimento inovador, inédito e contrário à lei no tocante ao critério para a fixação do juízo prevento para receber ações conexas. Criou-se uma originária interpretação do art. 219, caput do CPC para se concluir que embora tornar o juiz prevento continue a ser um dos efeitos da citação, a prevenção deve retroagir à data da propositura da ação.
É preciso registrar que nunca antes nesse tribunal ou na doutrina defendeu-se tal tese jurídica. O que deve se comemorar, porque sua adoção contraria frontalmente a literalidade do art. 219 do CPC, que dentre os efeitos da citação prevê expressamente somente a interrupção da prescrição como efeito retroativo à data da propositura da ação (§ 1º). 
Mas há uma intrigante curiosidade se a opção deste Egrégio Tribunal for a adoção da inédita tese jurídica: ela não alterará a prevenção da 42ª Vara Cível do Foro Central da Comarca de São Paulo.
A ação de Luiz Paulo Pieruccetti Marques foi proposta perante a 42ª Vara Cível do Foro Central da Comarca de São Paulo no dia 08 de janeiro de 2014.(doc. 05). 
A ação de Artur Monteiro Vieira foi proposta perante 42ª Vara Cível do Foro Central da Comarca de São Paulo no dia 10 de janeiro de 2014 às 17:21 (doc. 06).
A ação de Victor Campos foi proposta perante a 2ª Vara Cível do Foro Regional da Barra da Tijuca da Comarca do Rio de Janeiro no dia 10 de janeiro às 20:51:29 (doc. 07).
A ação de Alexandre Corrêa Geoffroy foi proposta perante o Juizado Especial do Torcedor e dos Grandes Eventos do Foro Regional da Ilha do Governador da Comarca do Rio de Janeiro no dia 14 de janeiro de 2014 (doc. 08). 
Conforme resta documentalmente comprovado só veio a existir propositura de ação na Comarca do Rio de Janeiro depois de já existirem duas ações propostas perante a 42ª Vara Cível do Foro Central da Comarca de São Paulo.


2.3. PREVENÇÃO LEVANDO-SE EM CONTA A REGRA DE COMPETÊNCIA TERRITORIAL APLICAVEL AO CASO
Em mais uma inovação, dessa vez inclusive com o abandono do art. 219 do CPC, a decisão liminar que fixou provisoriamente a competência da 2ª Vara Cível do Foro Regional da Barra da Tijuca da Comarca do Rio de Janeiro, entendeu ser esse o juízo intuitivamente mais adequado para a solução de questões urgentes por estar a CBF, ré em todos os processos envolvidos nos presentes incidentes processuais, sediada em tal localidade.
O que se pode compreender é que, com adoção de tese originária, nunca antes aplicada por esse Egrégio Tribunal ou defendida pela doutrina, passou a ter relevância a regra de competência territorial dos processos envolvidos em conflitos de competência para a fixação do juízo prevento. Deixa-se assim de aplicar as duas regras previstas no ordenamento processual a respeito e inova-se criando uma regra inexistente na lei e desconhecida pela doutrina e jurisprudência.
Não há porque a atividade jurisdicional desprezar regras já tradicionais e de ampla e tranquila aplicação. Certamente, por qualquer regra de hermenêutica aceitável, não vai tão longe a atividade jurisdicional de interpretar e aplicar as regras no caso concreto. 
Registre-se, inclusive, importante precedente unânime dessa Egrégia Segunda Seção em que foi expressamente rejeitada a adoção dessa tese jurídica, em conflito de competência que coincidentemente também envolvia ações propostas contra a CBF. No já mencionado Conflito de Competência nº 122.922/AC, a tese da CBF de ser considerado o art. 100, IV, “a” do CPC como critério para a determinação do juízo prevento foi acertadamente rejeitada. Porque seria diferente no presente caso? 
E o mais curiosamente triste no caso concreto é que a regra consagrada no art. 100, V, “a” do CPC, mencionado como fundamento do decidir da decisão liminar, não se aplica ao caso concreto, nem mesmo para fixar a competência dos processos em trâmite, quiçá para determinar o juízo prevento.
Há quatro espécies de processos envolvidos nos presentes conflitos de competência: ações individuais propostas pelos torcedores; ações populares propostas por cidadãos na defesa do futebol como patrimônio cultural brasileiro; ações civis públicas na defesa da coletividade dos torcedores; ação individual proposta pela Associação Portuguesa de Desportos.
Nas ações individuais propostas pelos torcedores aplica-se o art. 40 do Estatuto do Torcedor: “a defesa dos interesses e direitos dos torcedores em juízo observará, no que couber, a mesma disciplina da defesa dos consumidores em juízo de que trata o Título III da Lei no 8.078, de 11 de setembro de 1990”.
Significa dizer que o torcedor é um consumidor do produto futebol e do serviço prestado pelos organizadores das competições, e justamente por isso a relação de direito material entre eles e o eventual processo judicial em razão dela são tutelados pelo direito consumerista, conforme consolidado entendimento do Superior Tribunal de Justiça (STJ, 3ª Turma, REsp 1.413.192/RJ, rel. Min. Nancy Andrighi, j. 19/11/2013, DJe 29/11/2013; STJ, 4ª Turma, REsp 1.29.6944/RJ, rel. Min. Luis Felipe Salomão, j. 07/05/2013, DJe 01/07/2013).
E sendo os torcedores consumidores a competência é determinada pelo art. 101, I do CDC e não pelo art. 100, V, “a” do CPC. Considerar o foro do domicilio do réu nesse caso para determinação do juízo prevento abriria perigoso e inadmissível precedente para todas as ações consumeristas distribuídas em variadas comarcas. Afinal, a admissão da tese exposta na decisão liminar criará um precedente que determina o juízo da sede do fornecedor como prevento para todas as ações consumeristas propostas contra ele em total e ilegal subversão dos valores consagradas no diploma consumerista.
Na ação individual proposta pela Associação Portuguesa de Desportos há formação de litisconsórcio facultativo, sendo que cada um dos três réus tem suas sedes em diferentes localidades (São Paulo, Rio de Janeiro e Viena). Dessa forma, aplica-se o art. 94, § 4º do CPC, e não o art. 100, V, “a” do mesmo diploma legal, sendo livre a escolha pelo autor entre os foros concorrentemente competentes (“forum shooping”).
Nas ações coletivas – tanto populares como civis públicas – aplica-se a regra prevista no art. 2º da Lei 7.347/85 combinada com o art. 93, II do CDC, de forma que a competência para a hipótese de dano nacional é de qualquer das comarcas que sejam capitais de Estado, mais uma vez sendo livre a escolha do autor. Novamente inaplicável o art. 100, V, “a” do CPC. 
E no caso das ações coletivas o problema é ainda mais grave, considerando-se o entendimento pacificado no sentido de ser a absoluta a competência territorial (ou funcional pelo território) para as ações civis públicas e populares. (Dentre outros: Luiz Fux, Curso de direito processual civil, 4ª ed., Forense, Rio de Janeiro, 2008, p. 99; Nelson Nery Jr. e Rosa Maria Andrade Nery, Nery-Nery, Código de Processo Civil comentado, 10ª ed., São Paulo, RT, 2008, p. 494; Luiz Guilherme Marinoni e Daniel Mitidiero, Código de Processo Civil comentado, São Paulo, RY, 2010, p. 165; Rodolfo de Camargo Mancuso, Ação civil pública, 8ª ed., São Paulo, RT, 2002, p. 66; Humberto Theodoro Jr., Curso de direito processual civil, 47ª ed., vol. 1, Rio de Janeiro, Forense, 2007, p. 162).
Como se pode notar, além de não ser critério de determinação do juízo prevento, em nenhum dos processos vinculados aos presentes conflitos de competência é aplicável na origem o art. 100, V, “a” do CPC para fixação de sua competência territorial.


3. SUPERVENIÊNCIA DA PROPOSITURA DE AÇÃO CIVIL PÚBLICA PELO MINISTÉRIO PÚBLICO DE SÃO PAULO
Conforme exposto nos tópicos anteriores, por qualquer critério a ser adotado, o juízo prevento é a 42ª Vara Cível do Foro Central da Comarca de São Paulo. E essa realmente era a realidade até o dia 14/02/2014, quando foi proposta ação civil pública pelo Ministério Público do Estado de São Paulo perante a 43ª Vara Cível do Foro Central da Comarca de São Paulo (doc. 09).
Enquanto as ações individuais propostas por torcedores e ações populares propostas por cidadãos têm pedidos exclusivamente voltados à anulação ou cumprimento do julgamento proferido pelo STJD no processo nº 320/2013, a ação civil pública promovida pelo Ministério Público de São Paulo e distribuída para a 43ª Vara Cível do Foro Central da Comarca de São Paulo cumula a esse pedido o de indenização por perdas e danos. 
Com um pedido mais amplo, que contem o pedido das demais ações judiciais, a ação civil pública promovida pelo Ministério Público do Estado de São Paulo criou uma continência entre as ações, nos termos do art. 104 do CPC. Não mais conexão, fenômeno existente entre as demandas judiciais individuais, mas continência.
E havendo continência não se aplicam as regras de prevenção previstas no CPC, sendo competente o juízo da causa continente. Nesse sentido Pontes de Miranda ao afirmar que “o art. 106 fez bem em só falar de prevenção a respeito de ações conexas, porque, no tocante às ações entre as quais há continência, o juiz que despacha primeiro não se fez prevento. O que determinou a competência e o chamamento foi a continência, assunto de regra jurídica diferente (arts. 102, 104 e 105), e não conexão, que leva à prevenção (arts. 102, 103 e 106). O juiz da causa menor, na hipótese, não poderia prevenir” (Comentários ao código de processo civil. tomo II: arts. 46 a 153, 3ª ed., Rio de Janeiro: Forense, 1997, p.299).
Também é esse o entendimento do Superior Tribunal de Justiça sobre o tema:
“Se reconhecida a continência entre as ações, realmente não se pode adotar o critério da prevenção para determinar a reunião dos processos. O juízo em que tramite a causa continente é que deverá julgar a causa contida” (STJ, 3ª Turma, REsp 1.051.652/TO, rel. Min. Nancy Andrighi, j. 27/09/2011, DJe 03/10/2011).
Afinal, é como precisamente colocado por Rodolfo de Camargo Mancuso em artigo cientifico escrito especificamente sobre a atual problemática: “É dizer: rios correm para o mar, e não o contrário”. (A imbricação entre Justiça Desportiva e Justiça Estatal – o caso da Associação Portuguesa de Desportos no campeonato brasileiro de futebol de 2013: contribuição para o deslinde técnico-jurídico da controvérsia, Separata da Revista dos Tribunais, ano 103, vol. 944, junho de 2014, p. 69).
Ademais, a ação proposta pela Associação Portuguesa de Desportos, distribuída à 43ª Vara Cível do Foro Central de São Paulo por dependência à ação civil pública proposta pelo Ministério Público do Estado de São Paulo, contêm pedido de natureza preventiva não presente em qualquer outra ação judicial já proposta anteriormente, o que inclusive levou a formação de um litisconsórcio passivo composto por CBF, FIFA e FPF.
Por fim, é preciso destacar a natureza coletiva da ação civil pública proposta pelo Ministério Público de São Paulo perante a 43ª Vara Cível do Foro Central da Comarca de São Paulo.
Havendo a concomitância de ação individual e coletiva a prevenção do juízo perante o qual tramita a ação coletiva, além de decorrer de previsão legal, se justifica no maior alcance da tutela jurisdicional pretendida em tais demandas. Enquanto na ação individual busca-se tutelar somente o direito individual do autor na ação coletiva busca-se tutelar o direito da coletividade, titular do direito difuso que forma o objeto do processo. Natural, portanto, que a tutela da coletividade se imponha, inclusive quanto à prevenção do juízo, à tutela do individuo.
Nesse sentido as lições da melhor doutrina quando afirma que “apesar da eventual precedência do processamento de ações individuais em relação a uma ação coletiva que lhes seja objetivamente pertinente, é o juízo da demanda coletiva (fixada pelo local do dano, recorde-se) que atrai todas as individuais para fins de julgamento simultâneo – ou seja, a prevenção seria firmada, então pelo despacho na primeira ação coletiva” (Elton Venturi, Processo civil coletivo, São Paulo, Malheiros, 2007, p. 362).
Registre-se no mesmo sentido a lição do Ministro do Supremo Tribunal Federal Teori Albino Zavascki, que por tanto tempo enobreceu esse Egrégio Tribunal enquanto atuou como seu ministro. O jurista, ao comentar a relação entre ações individuais e coletivas assevera que “entre as duas ações, portanto, não há litispendência e tal resulta claro do art. 104 da Lei 8.078, de 1990. Há, isto sim, conexão (CPC, art. 103), a determinar, na medida do possível, o processamento conjunto, perante o juízo da ação coletiva, de todas as ações individuais, anteriores ou supervenientes”. (Teori Albino Zavascki, Processo coletivo, São Paulo, RT, 2006, p. 191).
A ainda as lições de Rodolfo de Camargo Mancuso:
“Essa vis attractiva do processo coletivo em face das ações individuais referenciadas à análogo thema decidendum igualmente se aplica por conta da diversa carga expansiva das coisas julgadas que operam num e noutro plano: na ação civil pública, ela é erga omnes (Lei 7.347/85, art. 16; Lei 8.078/90, art. 103, I); nas ações individuais é inter partes (CPC, art. 472), o que exacerba as consequências das decisões porventura qualitativamente discrepantes, senão já contraditórias.” (A imbricação entre Justiça Desportiva e Justiça Estatal – o caso da Associação Portuguesa de Desportos no campeonato brasileiro de futebol de 2013: contribuição para o deslinde técnico-jurídico da controvérsia, Separata da Revista dos Tribunais, ano 103, vol. 944, junho de 2014, p. 70).
Diante do exposto, com o fato superveniente de propositura de ação civil pública pelo Ministério Público do Estado de São Paulo, todas as ações individuais em trâmite em diferentes juízos que fazem parte do presente conflito de competência, independentemente de quem seja o autor (torcedores de clubes variados, Associação Portuguesa de Desportos, CBF), passaram a ter como juízo prevento a 43ª Vara Cível do Foro Central da Comarca de São Paulo.
Entendimento em sentido diverso criaria um perigoso precedente que poderia inclusive inviabilizar a atuação dos Ministérios Públicos Estaduais por meio de ações coletivas. Se a prevenção se fixa no juízo da ação individual em outro Estado da Federação, como poderá o Ministério Público Estadual continuar a demandar o réu? Como pode o interesse de um individuo sobrepor-se ao interesse de toda coletividade?

4. DA IMPRESTABILIDADE DOS PARECERES DO MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL

Quanto às manifestações do Ministério Público Federal nos conflitos de competência suscitados por Artur Monteiro Vieira e pela CBF, ignorou-se, ainda que documentalmente comprovada, a realidade dos fatos, criando-se odiosa distinção entre situações idênticas, em manifesta violação ao principio constitucional da isonomia. Curiosamente sugerida pelo fiscal da lei... 
As procurações juntadas pela Confederação Brasileira de Futebol nos processos em trâmite perante a Justiça Paulista e a Justiça Fluminense são absolutamente idênticas! Ou seja, é uma procuração padrão que foi apenas replicada pela CBF nos diferentes processos com exatamente os mesmos poderes, como se pode notar dos documentos ora anexados.
Diante de tal estado das coisas, resta uma intrigante dúvida: exatamente porque o comparecimento voluntário da CBF nos processos em trâmite perante a Justiça de São Paulo deve ser tratado de forma distinta daqueles operados nos processos em trâmite perante a Justiça fluminense se as procurações são idênticas?! Haveria uma exótica territorialidade nesse caso que permite tratamento distinto da matéria a depender do Estado da Federação em que ocorreu o comparecimento voluntário da ré CBF?
É natural que não se pode admitir nesse caso que seja dado tratamento distinto à mesma realidade fático-jurídica. Tal postura, além de não se sustentar logicamente, fere de maneira frontal o principio da igualdade, consagrado no art. 5ª, caput e inciso I da CF. Ainda que a isonomia prevista em tais dispositivos constitucionais seja a real, o tratamento desigual só se justifica diante de situações desiguais, o que, a toda evidência, não se verifica no presente caso. 
A realidade descrita já seria o suficiente para tornar o parecer ministerial insustentável. Mas há mais.
Primeiro, é preciso lembrar que existem decisões do Superior Tribunal de Justiça que entendem aperfeiçoado o ato citatório quando o advogado devidamente constituído pelo réu comparece voluntariamente ao processo, independentemente de constar expressamente da procuração poderes específicos para receber a citação, desde que fique evidenciada a ciência da parte da existência da ação e que sejam praticados atos de preparação ou de efetiva defesa. (STJ, 4ª Turma, REsp 1.026.821/TO, rel. Min. Marco Buzzi, j. 16/08/2012, DJe 28/08/2012; STJ, REsp 1.246.098/PE, 2ª Turma, rel. Min. Mauro Campbell Marques, j. 26/04/2011, DJe 05/05/2011; STJ, 3ª Turma, REsp 600.866/DF, rel. Min. Humberto Gomes de Barros, j. 20/03/2007, DJ 14/05/2007 p. 279).
No caso concreto não houve apenas a juntada da procuração nos autos. Na petição de juntada o patrono do réu se manifestou expressamente sobre o ato citatório: “Por fim, por meio desta a Ré se dá por citada e intimada”. E comparecendo voluntariamente nos processos apresentou contestação e agravou de decisões concessivas de tutela antecipada. Ou seja, a ré CBF se deu por citada e preparou a contestação e o agravo de instrumento tempestivamente. Diante de tal cenário, como acreditar que a ré não tomou conhecimento da existência da ação no dia em que compareceu voluntariamente no processo?
Segundo e mais importante, a conjugação dos arts. 154, caput, 219, caput e 244 do CPC, tornam inconsistentes as conclusões lançadas na cota ministerial. 
Nos termos do art. 219, caput do CPC um dos efeitos da citação válida é a prevenção do juízo, sendo tal regra aplicada quando as ações conexas tramitam em foros de diferentes competências territoriais. O dispositivo, portanto, não exige uma citação formalmente perfeita, mas uma citação válida. E nesse tocante é indispensável uma breve explanação sobre vicio, nulidade e o principio da instrumentalidade das formas.
Sempre que a forma legal não é respeitada, há uma consequência processual: o efeito jurídico programado pela lei não é gerado. Essa consequência processual – que para parcela doutrinária é uma sanção – representa a nulidade. Ato viciado é aquele praticado em desrespeito às formas legais, enquanto a nulidade é a sua consequência sancionatória, que não permite ao ato gerar os efeitos programados em lei. O princípio da instrumentalidade das formas busca aproveitar o ato viciado, permitindo-se a geração de seus efeitos, ainda que se reconheça a existência do desrespeito à forma legal.
Pelo princípio da instrumentalidade das formas, ainda que a formalidade para a prática de ato processual seja importante em termos de segurança jurídica, visto que garante à parte que a respeita a geração dos efeitos programados por lei, não é conveniente considerar o ato nulo somente porque praticado em desconformidade com a forma legal. O essencial é verificar se o desrespeito à forma legal para a prática do ato afastou-o de sua finalidade, além de verificar se o descompasso entre o ato como foi praticado e como deveria ser praticado segundo a forma legal causou algum prejuízo. Não havendo prejuízo para a parte contrária, tampouco ao próprio processo, e percebendo-se que o ato atingiu sua finalidade, é excessivo e indesejável apego ao formalismo declarar o ato nulo, impedindo a geração dos efeitos jurídico-processuais programados pela lei (José Roberto dos Santos Bedaque, Efetividade do processo e técnica processual, São Paulo, Malheiros, 2006, pp. 419 e 422). 
Há, portanto, com a aplicação do principio da instrumentalidade das formas, a possibilidade de um ato viciado ser válido. Nesse sentido as precisas lições de Candido Rangel Dinamarco:
“Diante dessa trama, o ato não será nulo só porque formalmente defeituoso. Nulo é o ato que, cumulativamente, se afaste do modelo formal indicado em lei, deixe de realizar o escopo ao qual se destina e, por esse motivo, cause prejuízo a uma das partes. A invalidade do ato é indispensável para que ele seja nulo, mas não é suficiente nem se confunde com sua nulidade.” (Instituições de direito processual civil, vol. II, São Paulo, Malheiros, 2001, p. 597).
Nesse sentido também é a pacificada jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (STJ, 4ª Turma, AgRg no Ag 1.156.635/DF, rel. Min. Raul Araújo, j. 14/08/2012, DJe 03/09/2012; STJ, 5ª Turma, REsp 1.105.936/SC, rel. Min. Laurita Vaz, j. 28/02/2012, DJe 06/03/2012; STJ, 2ª Turma, REsp 713.014/DF, rel. Min. Herman Benjamin, j. 20/08/2009, DJe 27/08/2009; STJ, 3ª Turma, REsp 1.031.037/RS, rel. Min. Nancy Andrighi, j. 06/08/2009, DJe 14/12/2009; STJ, REsp 859.573/PR, rel. Min. Luiz Fux, j. 16/10/2007, DJ 19/11/2007 p. 194), valendo transcrever trecho de ementa tirada de julgamento da 2ª Seção a respeito do tema: 
“(...) enseja apenas nulidade relativa, sendo válidos os atos praticados, desde que não haja prejuízo aos interessados. Segundo o princípio da instrumentalidade das formas, não se decreta nulidade sem prejuízo (pas de nullité sans grief)”. (STJ, 2ª Seção, AR 3.743/MG, rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, j. 13/11/2013, DJe 02/12/2013).
E se não fossem suficientes os argumentos já lançados, a opinião do Ministério Público Federal deve ser descartada em razão de grave problema que aparentemente passou despercebido pela cota ministerial. Existem vinculados aos presentes conflitos de competência diferentes ações coletivas: ações populares propostas por cidadãos, ações civis públicas propostas por associações de defesa do consumidor e ação civil pública proposta pelo Ministério Público de São Paulo.
Questiona-se: se for fixada a prevenção do Juizado Especial do Torcedor e dos Grandes Eventos do Foro Regional da Ilha do Governador da Comarca do Rio de Janeiro, como sugere o Ministério Público Federal, qual será o destino de tais ações coletivas, considerando-se o entendimento pacificado pelo seu não cabimento em sede de Juizados Especiais (Enunciado nº 139 do FONAJE)?
Conclusivamente, os pareceres ministeriais devem ser solenemente ignorados.

5. CONCLUSIVAMENTE
De tudo que foi exposto, é clara a prevenção do Judiciário Paulista para julgar todos os processos vinculados aos presentes conflitos de competência. A prevenção é da 43ª Vara Cível do Foro Central de São Paulo e, caso os fundamentos expostos para alicerça tal conclusão não seja acolhido por V. Exa., que seja determinada a prevenção da 42ª Vara Cível do Foro Central da Comarca de São Paulo.


Fonte: https://www.facebook.com/DanielNevesCPC/posts/657291711032037

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